domingo, 19 de agosto de 2012

O Traje das Crianças


O Traje das Crianças
Philippe Airès História Social da Criança e da Família. 2º ed.,  1978

     A indiferença marcada que existiu até o século XIII—a não ser quando se tratava de Nossa Senhora menina – pelas características próprias da infância não aparece apenas no mundo das imagens: o traje da época comprova o quanto a infância era então pouco particularizada na vida real. Assim que a criança deixava os cueiros, ou seja, a faixa de tecido que era enrolada em torno de seu corpo, ela era vestida como os outros homens e mulheres de sua condição. Para nós é difícil imaginar essa confusão, mós que durante  tanto tempo usamos calças curtas  , hoje sinal vergonhoso de uma infância retardada. Na minha geração, os meninos deixavam as calças curtas no fim do 2º ano colegial, após uma certa pressão sobre pais recalcitrantes: meus pais ,por exemplo, pediam-me paciência  , citando o caso de um tio general que entrara para a academia militar de calças curtas! Hoje em dia a adolescência  se expandiu para traz e para a frente , e o traje esporte  , adotado tanto pelos adolescentes como pelas crianças , tende a substituir as roupas típicas da infância do século XIX e inicio do século XX. Em todo o caso, se o período 1900-1920 prolongava ainda até muito tarde no jovem adolescente as particularidades de um traje reservado a infância, a Idade Média vestia indiferentemente todas as classes de idade, preocupando-se apenas em manter visíveis através da roupa os degraus da hierarquia social. Nada, no traje medieval, separava a criança  do adulto. Não seria possível imaginar atitudes mais diferentes com relação à infância.
O Delfim, herdeiro do trono 
francês (em óleo de 1661).
     No século XVII, entretanto, a criança, ou ao menos a criança de boa família, quer fosse nobre ou burguesa, não era mais vestida como os adultos. Ela agora tinha um traje reservado à sua idade, que a distinguia  dos adultos. Esse fato essencial aparece logo ao primeiro olhar lançado a numerosas representações de crianças  do inicio do século XVII.
      Consideramos a bela tela de Philippe de Champaigne do museu de Reims que representa os sete filhos da família Harbert. O filho mais velho tem dez anos, e o mais moço, oito meses. Essa pintura é preciosa para o nosso estudo, pois o artista inscreveu a idade precisa, incluindo os meses, de cada um de seus modelos. O mais velho, de dez anos, já se veste como um homenzinho, envolto em sua capa: na aparência, pertence ao mundo dos adultos. Apenas na aparência, sem duvida, pois ele deve frequentar  os cursos de um colégio, e a vida escolar prolonga a idade da infância. Mas o menino certamente não continuará no colégio por muito tempo, e o deixará para se misturar aos homens cujo traje já veste e de cuja vida logo partilhará nos campos militares, nos tribunais ou no comercio. Mas os dois gêmeos, que estão afetuosamente de mãos dadas e ombros colados, têm apenas quatro anos e nove meses: eles não estão mais vestidos como adultos. Usam  um vestido comprido, diferente daquele das mulheres, pois é em aberto na frente e fechado ora com botões, ora com agulhetas, mais parece uma sotaina eclesiástica. Esse mesmo vestido é encontrado no “ quadro da Vida Humana ” de Cebes. Aí, a primeira idade, ainda mal siada no não-ser, está nua; as duas idades seguintes estão enroladas em cueiros. A terceira, que deve ter por volta de dois anos e ainda não fica de pé sozinha, já usa um vestido, sabemos que se trata de um menino. A quarta idade, montada em seu cavalo de pau, usa  mesmo vestido comprido, aberto e abotoado na frente como uma sotaina  dos gêmeos Harbert de Philippe Champaigne. Esse vestido foi usado pelos meninos pequenos durante  todo o século XVII. Encontramo-lo em Luís XIII, como por exemplo, no jovem de Bethisy, pintado por Belle por volta de 1710. Nesse último quadro, o vestido do menino não é mais abotoado na frente, mas continua diferente das meninas e não comporta acessórios de fazenda branca.
    Tela de Thoma DerKinderreigen, onde retrata
 Luís XIII, brincando com outras crianças.

      Esse vestido pode ser muito simples, como o da criança montada a cavalo do “quadro da Vida Humana”. Mas pode também  ser suntuoso e terminar por uma cauda, como o do jovem Duque de Anjou da gravura de Arnoult.
      Esse vestido em forma de sotaina não era a primeira roupa  da criança usada depois que ela deixava os cueiros. Voltemos aos retratos das crianças Habert, de Philippe Champaigne. François que tem  um ano e 11 meses, e o caçula, de oito meses, vestem-se ambos exatamente como sua irmã, ou seja, como duas mulherezinhas : saia  , vestido e avental. Esse era o traje dos meninos menores. Tornara-se hábito do século XVI vesti-los como meninas, e estas por sua vez, continuavam a se vestir como mulheres adultas. A separação entre crianças e adultos  ainda não existia  no caso  das mulheres. Erasmo, em Le Mariage Chrétien nos dá uma descrição desse traje, que o seu editor francês de 1714 traduziu sem dificuldade, como coisa que persistia em sua época: “Coloca-se(nas crianças) uma camisola curta, meias bem quentes, uma anágua grossa e o vestido de cima, que tolhe os ombros e os quadris  com uma grande quantidade de tecido  e pregas, e diz-se a elas que toda essa tralha lhes dá um ar maravilhoso”. Erasmo denunciava essa moda, nova em sua época, e preconizava maior liberdade para os jovens corpos; sua opinião, porém, não prevaleceu contra os costumes e foi precioso esperar até o fim do século XVIII para que o traje  da criança se torna-se mais leve, mais folgado, e a deixasse mais à vontade. Um desenho de Rubens mostra-nos que um traje de um menino pequeno ainda  parecido com o de Erasmo: o vestido aberto, sob o qual aparece a saia. A criança esta começando a andar e é segura por tiras que pendem em suas costas. No diário de Heroard, que nos permite acompanhar dia a dia a infância de Luís XIII, lemos sob a data de 28 de junho de 1602(Luís XIII tinha então nove meses): “Foram colocadas tiras à guisa de guias em seu vestido, para lhe ensinar a andar”. O mesmo Luís XIII não gostava que sua irmã usasse  um vestido parecido com o seu: “Madame chego com um vestido igual ao dele, e ele a mandou embora, com ciúmes”. Enquanto os meninos usavam esse traje feminino, dizia-se que eles estavam à la bavette, ou seja, eram crianças “de babador”. Isso durava até por volta de  quatro-cinco anos. Jean Rou, que nasceu em 1638, conta em suas memórias que teve uma infância precoce e que foi enviado ao colégio de Harcourt acompanhado de uma criada: “Quando eu ainda estava à la bavette, ou seja quando ainda não usava vestido comprido com gola que precedia as calças justas pelos joelhos”, “eu era o único ridicularmente vestido da maneira coo acabo de descrever(ou seja, vestido de menina), de sorte que era uma espécie de novo fenômeno naquele lugar, que nunca havia ocorrido antes”. A gola do vestido era uma gola de homem. Os costumes, dessa época em diante, ditaram regras de vestir para as crianças, de acordo com a sua idade: primeiro o vestido das meninas, e depois “o vestido comprido com gola”, que também era chamado de jaquette . O regulamento de uma pequena escola ou escola paroquial de 1654 determinava que as domingos as crianças fossem levadas à igreja para assistir à missa, após a instrução religiosa, e que não se misturassem os pequenos e os grandes, ou seja, os vestidos curtos e os vestidos compridos: “Os pequenos de jaquette deverão ser colocados todos juntos ”.
Os alunos uniformizados.
      O diário da infância de Luís XIII que Heroard mantinha mostra a seriedade com que então se começo a tratar o traje da criança: a roupa tornava  visíveis  as etapas do crescimento que transformava a criança em homem. Essas etapas outrora despercebidas, haviam-se tornado espécies de ritos que era preciso respeitar e que Heroard registrava cuidadosamente como questões importantes. Em 17 de julho de 1602, foram colocadas a tiras de guisa de guias no vestido de Delfim. Eles a usaria durante mais de dois anos: aos três anos e dois meses, ele recebeu “o primeiro vestido sem guias”. O menino ficou encantado, e disse ao capitão guarda: “Capitão, não tenho mais guias, vou andar sozinho”. Alguns meses antes, ele abandonara  o berço e passara a dormir numa cama: era uma etapa. No seu aniversário de quatro anos, usou calças justas pelo e joelhos por baixo do vestido, e um ano mais tarde, em 7 de agosto de 1606, foi-lhe retirada a “touca de criança” ele percebeu o chapéu dos homens. Essa também foi uma data importante: “ Agora que deixais vossa touca não sereis mais uma criança, começai a vós tornar homem”(7 de agosto de 1606). Mas seis dias depois, a rainha mandou que lhe pusessem novamente a touca.
      8 de janeiro de 1607: “ Ele perguntava quando começa a usar as calças justas pelos joelhos(em lugar do vestido).Mme de Montglas lhe diz que será quando tiver oito anos”.
      A 6 de Junho de 1608, quando Luís tinha sete anos e oito meses, Heroard registrou com carta solenidade: “ Hoje ele foi vestido com um gibão e calças pelos joelhos, deixou o traje da infância (ou seja, o vestido), e recebeu a capa  e a espada( como o mais velho dos pequenos Habert de Philippe de Champaigne)”. Algumas vezes, entretanto, colocavam-lhe novamente o vestido, como já haviam feito com a touca, mas ele detestava isso: quando vestia o gibão e as calças pelos joelhos, “ficava extremamente contente e alegre, e não queria por o vestido”. Os hábitos de vestir, portanto, não são apenas uma frivolidade. A relação entre o traje é a compreensão daquilo que ele representa esta aqui bem marcada.
      Nos colégios, os semi-internos usavam o vestido por cima das calças justas até os joelhos. Os diálogos de Cordier, do fim do século XVI, descrevem-nos o despertar de um aluno interno: “Depois de acordar, levantei-me da cama, vesti meu  gibão e minha capa curta, sentei-me num banco, peguei minhas calças ate os joelhos e minha meia, vesti-as, peguei meus sapatos prendi minhas calças e meu gibão com agulhetas, prendi minha meia com ligas abaixo dos joelhos, peguei o cinto, penteei os cabelos, peguei o gorro e o coloquei com cuidado, vesti meu vestido”, e depois “sai do quarto”...
       Em Paris, no inicio do século XVII: “imaginem portanto Francion entrando na classe , com as ceroulas saindo por baixo de suas calças até os joelhos e descendo até os sapatos , o vestido colocado torto e a pasta embaixo do braço , tentando dar uma fruta podre a um e um piparote no nariz do outro”.No século XVIII o regulamento do internato da La Flèche dizia que o enxoval dos alunos devia incluir “um vestido de interno” que devia durar dois anos.
Traje do século XVIII.
      Essa diferenciação de traje não era observada nas meninas .Estas, como os meninos de outrora, do momento em que deixavam os cueiros eram logo vestidas como mulherezinhas. Contudo, se olharmos de perto as representações de criança do século XVII, notaremos que o traje feminino tanto dos meninos pequenos tanto das meninas pequenas comportava um ornamento singular, que não era encontrado no traje das mulheres: duas fitas largas presas ao vestido atrás dos dois ombros, pendentes nas costas. Vemos essas fitas de perfil na terceira criança Habert partir da esquerda; na quarta idade da Tabula Cebetis (a criança de vestido brincando com o cavalo de pau);e na menina de dez anos da escala das idades do inicio do século XVIII, “miséria humana ou as paixões da alma em todas as suas idades”—para limitar nosso exemplos às imagens já comentadas aqui. Observamo-las com frequência em numerosos retratos de crianças, até Lancret e Boucher. Elas desaparecem no fim do século XVIII, época em que o traje da criança se transforma. Um dos últimos retratos de crianças com as fitas nas costas talvez seja o que Mme Gabrielle Guiard pintou para Mesdames Adelaide e Victoire em 1788. O retrato representa a irmã dessas, a Infanta que havia morrido cerca de 30 anos atrás. A Infanta tinha vivido 32 anos. Mme Gabrielle Guiard a representou, contudo, como uma criança, ao lado de sua ama, e essa preocupação em conservar a lembrança de uma “mulher de trinta anos”, levando-a de volta ao tempo de sua infância, revela um sentimento inteiramente novo. A Infanta criança tem bem visíveis as fitas das costas, que ainda se usavam por volta de 1730, mas que haviam passado de moda no momento em que o quadro foi pintado.
       Portanto, no século XVII e inicio do XVIII, essas fitas nas costas haviam-se tornado signos da infância, tanto para os meninos como para as  meninas. Os estudiosos modernos sem dúvida ficaram intrigados com esse apêndice do vestuário reservado á infância, Eles foram confundidos com as “guias” (as tiras nas costas das roupas das crianças pequenas que ainda não andavam com firmeza). No pequeno museu da abadia de Westminster, foram expostas algumas efígies mortuárias de cera que representavam o morto e que eram colocadas sobre o ataúde durante as cerimônias fúnebres, uma prática medieval que se manteve na Inglaterra até cerca de 1740. Uma dessas efígies representa o pequeno marquês de Normamby morto aos três anos de idade: ele está vestido com uma saia de seda amarela, recoberta por um vestido de veludo(o traje das crianças pequenas) e usa essas fitas chatas da infância, que o catálogo descreve como guias. Na realidade, as guias eram cordinhas que não se apareciam com essas fitas. Uma gravura de Guérard ilustrando a  “idade viril” mostra-nos uma criança(menina ou menino) usando um vestido, penteada à la Fontange, e vista de costas; entre as duas fitas que pendem dos ombros, vê-se claramente a cordinha que servia para ajudar a criança a andar.
      Essa análise nos permitiu descobrir alguns hábitos de vestuário próprios da infância que eram adotados comumente  no final do século XVI e que foram conservados até o fim do século XVIII. Esses hábitos, que distinguiam o traje das crianças  do traje do adultos, revelam uma nova preocupação, desconhecida da Idade Média, de isolar as crianças, de separá-las através de uma espécie uniforme. Mas qual é a origem desse uniforme da infância?
      O vestido das crianças  nada mais é que do que  traje longo da Idade Média, dos séculos XII e XIII, antes da revolução que o substituiu no caso dos homens pelo traje curto, com calças aparentes, ancestrais do nosso traje masculino atual. Até o século XIV, todo o mundo usava um vestido ou túnica, mas a túnica dos homens não era a mesma das mulheres. Geralmente era mais curta, ou então aberta na frente. Nos camponeses dos calendários do século XIII, ela parava nos joelhos, enquanto nas grandes personagens veneráveis, descia até os pés. Houve, em suma, um longo período em que os homens usavam um traje justo e longo, que se opunha ao traje drapeado tradicional dos gregos ou dos romanos: o traje longo continuava os hábitos dos bárbaros gauleses ou orientais, que se haviam introduzido na moda romana nos primeiros séculos de nossa era. Ele foi uniformemente adotado tanto no Ocidente como no Oriente: o traje turco também teve origem na túnica longa.
       A partir do século XIV, os homens abandonaram a túnica longa pelo traje curto até mesmo colante, para o desespero dos moralistas e dos pregadores, que denunciavam a indecência  dessas modas, sinais da imoralidade dos tempos! De fato, as pessoas respeitáveis continuaram a usar a túnica longa— respeitáveis por sua idade (até o inicio do século XVII, os anciãos são representados vestindo a túnica longa), ou por sua condição: magistrados, estadistas, eclesiásticos. Alguns nunca deixaram de usar o traje longo e o usam até hoje, ao menos em certas ocasiões: os advogados, os magistrados, os professores, os eclesiásticos. Os eclesiásticos, aliás, quase o abandonaram, pois quando o traje curto se impôs definitivamente, e quando, no século XVII, já se havia completamente esquecido o escândalo de sua origem, a sotaina do eclesiástico tornou-se muito ligada à função eclesiástica para ser um traje de bom-tom. Os padres tiravam a batina para se apresentar a sociedade, ou mesmo diante de seu Bispo, da mesma forma como os oficiais tiravam o traje militar para aparecer na corte.
      As crianças também conservaram o traje longo, ao menos de boa condição. Uma miniatura dos Miracles Notre-Dame do século XV representa uma família reunida em torno do leito da mãe que acaba de dar à luz; o pai veste um traje curto, com calças justas e gibão, mas as três crianças usam um vestido comprido. Na mesma série, a criança que dá de comer ao Menino Jesus usa um vestido aberto ao lado.
      Na Itália, ao contrário, a maioria das crianças  dos artistas do quattrocento usa calças colantes dos adultos. Na França e na Alemanha parece que essa moda não foi bem aceita, e que se manteve o traje longo para as crianças. No inicio do século XVI, esse hábito foi consagrado e tornou-se regra geral: as crianças sempre usavam o vestido comprido. Algumas tapeçarias  alemãs dessa época mostram crianças de quatro anos e de vestido longo, aberto na frente. Algumas gravuras francesas de Jean Leclerc, que têm como tema os jogos infantis, mostram crianças usando por cima usando por cima das calças justas  o vestido abotoado na frente, que e tomou assim o uniforme de sua idade.
Traje das crianças da França e
 Alemanha no inicio do seculo XVI.

      As fitas  chatas nas costas que, no século XVII, também distinguiam as crianças, fossem meninos ou meninas, têm a mesma origem do vestido comprido. As capas e túnicas do século XVI muitas vezes tinham mangas que se podiam vestir ou deixar pendentes. Na gravura de Leclerc que representa crianças jogando víspora, podemos ver algumas dessas mangas, presas apenas por alguns pontos. As pessoas elegantes, e sobretudo as mulheres elegantes, gostaram do efeito dessas mangas pendentes. Como não eram mais vestidas essas manas tornaram-se ornamentos sem utilidade e se atrofiaram, como órgãos que deixam de funcionar: perderam a cavidade interna por onde passava o braço, e, achatadas lembram duas fitas largas presas atrás dos ombros. As fitas das crianças dos séculos XVII e XVIII são os últimos restos das falsas mangas do século XVI. Essas mangas atrofiadas também são encontradas, alias, em outros trajes, tanto populares como cerimoniais: na túnica camponesa, que os irmãos Ignorantinhos adotaram como traje religioso  no início do século XVIII, nos primeiros trajes propriamente militares, como os dos mosqueteiros, na libré dos lacaios, e finalmente no raje de pajem, ou seja, no traje de cerimônia das crianças e dos meninos d boa família que eram confiados a outras famílias para as quais presentavam certos serviços domésticos. Esses pajens do tempo de Luís XIII usavam calças bufantes no estilo do século XVI, e falsas mangas pendentes. Esse traje de pajem tendia a se tornar em traje de cerimônia, usado em sinal de honra e de respeito: numa gravura de Lepautre, veem-se meninos vestido com o traje arcaizante de pajem ajudando a missa. Mas esses trajes de cerimônia eram mais raros, enquanto a fita chata era encontrada nos ombros de todas as crianças, os meninos e meninas, nas boas famílias, querem fossem nobres ou burgueses.
Catherine Eleonore; de Bethisy  e seu irmão .
 Óleo sobre a  tela; 1674-1734. Versailles, France.
      Assim, para distinguir a criança que antes se vestia como os adultos, foram conservados para seu usa exclusivo traço  dos trajes antigos que os adultos haviam abandonado, algumas veze a longo tempo. Esse foi o caso do vestido, ou túnica longa, e das mangas falsas. Fio o caso também da touca usada pelas criancinhas de cueiros: no século XIII, a touca ainda era o gorro masculino normal que prendia os cabelos dos homens durante o trabalho, como podemos ver nos calendários de Notre-Dame d’Amiens e outros.
      O primeiro traje das crianças foi o traje usado por todos cerca de um século antes, e que num determinado momento elas passaram a ser a únicas a invergar. Evidentemente não se podia inventar do nada uma roupa para as crianças. Mas sentia-se a necessidade de separá-las de uma forma visível , através do traje. Escolheu-se então para elas um traje cuja tradição fora conservada em certas classes, mas que ninguém mais usava. A adoração de um traje peculiar á infância, que se tornou geral nas classes altas  á partir do fim do século XVI , marca uma data muito importante na formação do sentimento da infância, esse sentimento que constituiu as crianças numa sociedade separada da dos adultos(de um modo muito diferente dos costumes iniciatórios). Não devemos esquecer a importância que o traje tinha na França antiga. Muitas vezes ele representava um capital elevado. Gastava-se muito com roupas, e , quando alguém morria tinha-se o trabalho de fazer o inventario dos guarda roupas como hoje o faríamos apenas com relação á casacos de pele. As roupas custavam muito caro , e havia tentativas de frear, através de leis suntuárias o luxo do vestuário que arruinava alguns e permitia a outros dissimular seu estado social e seu  nascimento. Mais que em nossas sociedades contemporâneas, onde isso ainda se explica as mulheres, cuja roupa é o sinal aparente necessário da prosperidade da família, da importância de uma posição social o traje representava com vigor o lugar daquele que o vestia numa hierarquia complexa e indiscutida. Cada um usava o traje de sua condição social: os manuais de civilização insistiam muito na indecência que haveria se as pessoas se vestissem de maneira diferente e como deveriam , de acordo com sua idade ou seu nascimento. Cada nuança social era traduzida por um signo especial no vestuário. No final do século XVI o costume decidiu que a criança agora reconhecida como uma entidade separada, tivesse também seu traje particular.
      Observamos que na origem do traje infantil havia um arcaísmo: a sobrevivência da túnica longa. Essa tendência ao arcaísmo substituiu: no fim do século XVI, na época de Luís XVI, os meninos pequenos eram vestidos com golas no estilo Luís XIII ou Renascimento. As crianças pintadas por Lancret e Boucher frequentemente são representadas vestidas segundo a moda do século anterior.
       Mas, a partir do século XVII, duas outras tendências iriam orientar a evolução do traje infantil. A primeira acentuou o aspecto afeminado do menino pequeno. Vimos acima que o menino à la bavette, antes ‘’vestido com gola’’ usava o vestido e a saia das meninas. Essa efeminação do menino pequeno, observado já em meados do século XVI, de inicio foi uma coisa nova, apenas indicada por alguns poucos traços. Por exemplo, no começo, a parte de cima da roupa do menino conservava as características do traje masculino. Mas logo o menino pequeno recebeu a gola de rendas das meninas, que era exatamente igual à das senhoras. Tornou-se impossível distinguir um menino de uma menina antes dos quatro ou cinco anos, esse habito se fixou de maneia definitiva durante cerca de dois séculos. Por volta de 1770, os meninos deixaram de usar o vestido com gola aos quatro-cinco anos. Antes dessa idade, porem, eles eram vestidos como meninas, e isso continuaria até o fim do século XIX: o habito de efeminar os meninos só desapareceria após Primeira Guerra Mundial, e seu abandono deve ser relacionado com o abandono do espartilho das mulheres: uma revolução de traje que traduz a mudança dos costumes. É curioso notar também que a preocupação em distinguir a criança se tem a limitado principalmente os meninos:  as meninas só foram distinguidas pelas mangas falsas abandonadas no século XVIII, como se a infância separa-se menos as meninas dos adultos do que os meninos. A indicação fornecida pelo traje confirma os outros testemunhos da historia dos costumes: os meninos foram as primeiras crianças especializadas. Eles começaram a frequentar em massa os colégios já no fim do século XVI inicio do século XVII. O ensino das meninas começou apenas na época de Fénelon de Mme de Maintenon, e só se desenvolveu tarde lentamente. Sem uma escolaridade própria, as meninas eram muito cedo confundidas com as mulheres, como outrora os meninos eram confundidos com os homens, e ninguém pensava em tornar visível através do traje uma distinção que começava a existir concretamente para os meninos, mas que ainda  continuava inútil no caso das meninas.
       Por que, a fim de distinguir o menino dos homens, se assimilava o primeiro à meninas, que não eram distinguidas das mulheres? Por que esse costume, tão novo e tão surpreendente numa sociedade em que se entrava cedo na vida, durou quase até nossos dias, ou ao menos ate o inicio deste século, apesar das transformações dos costumes e do prolongamento do período da infância? Tocamos aqui no campo ainda inexplorado da consciência da sociedade toma de seu comportamento com relação à idade e ao sexo: até hoje, não se estudou sua consciência de classe!
       Uma outra tendência que, assim como o arcaísmo e a efeminação, certamente também nasceu do gosto pelo disrfarce, levou as crianças de família burguesa a adotar traços dos trajes das classes populares ou do uniforme de trabalho. Aqui, a criança precederia a moda masculina, e usaria calças compridas já durante o reinado de Luís XVI, antes da época dos sans-culottes (nome dado aos revolucionários republicanos da Revolução Francesa). O traje da criança bem vestida da época de Luís XVI era ao mesmo tempo arcaizante (gola Renascentista), popular (calças compridas) e militar (túnica e botões do uniforme militar).
As famílias no século XVI.
       No inicio do século XVII não existia um traje propriamente popular, e tampouco havia a fortiori trajes regionais... Os pobres usavam as roupas que lhes davam ou que comprovam em belchiores. A roupa do povo era uma roupa de segunda mão (a comparação entre a roupa de ontem e o automóvel de hoje não é tão retorica como parece: o carro herdou parte do sentido social que a roupa tinha e praticamente perdeu). Logo, o homem do povo se vestia segundo a moda do homem de sociedade de algumas décadas atrás: mas ruas de Paris de Luis XIII, ele usava o gorro de plumas do século XVI, enquanto as mulheres usavam a touca que estivera a moda na mesma época. Esse atraso variava de uma região para outra, segundo a presteza com que a boa sociedade local seguia a moda do dia. No inicio do século XVIII as mulheres de certas regiões, como as margens do Reno, por exemplo, ainda usavam toucas do século XV. Durante o século XVIII, essa evolução e interrompeu e fixou-se em consequência de um afastamento moral com mais acentuado entre os riscos e os pobres e de uma separação física de sucedeu a uma promiscuidade milenar. O traje regional originou-se ao mesmo tempo de um gosto novo pelo regionalismo ( era a época das grandes histórias regionais da Bretanha, da Provença etc., e de um ressurgimento do interesse pelas línguas regionais que se haviam transformado em dialetos em virtude do progresso do francês), e das diferenças reaisdos trajes, provocadas pela variação de prazos com que as modas da cidade  e da corte alcançavam cada população e cada religião.
      Nos grandes subúrbio populares , no final do século XVIII, os homens começaram a usar um traje mais específico: as calças compridas, que equivaliam então ao avental do operário do século XIX—o andrajo informe e anacrônico , ou a roupa usada, do belchior. Devemos ver aí a expressão espontânea de uma particularidade coletiva algo próximo de uma tomada de consciência de classe. Surge, portanto , um modo de vestir próprio de artesão—as calças compridas. As calças compridas há muito tempo era o traje  dos homens do mar. Quando apareciam na comédia italiana, geralmente eram usadas pelos marinheiros e pelos habitantes do litoral: flamengos, renanos , dinamarqueses e escandinavos. Esses últimos ainda eram usados  no século XVII , a julgar pelas coleções de trajes dessa época. Os ingleses as havam abandonado mas já as conheciam no século XII. As calças compridas se tornaram o uniforme das marinhas de guerra quando os Estados mais organizados defendiam a vestimenta de suas tropas e de suas tripulações. Dai , ao que parece, elas passaram ao pov dos subúrbios populares, a quem já repugnava usar os andrajos dos mendigos, e aos meninos pequenos de boa condição.
      O uniforme recém-criado foi rapidamente adotado pelas crianças burguesas, primeiro nos internatos particulares, que se haviam tornado mais numerosos após a expulsão dos jesuítas, e que muitas vezes preparavam meninos para as academias e as carreiras militares. A silhueta agradou, e os adultos passaram a vestir seus meninos com um traje inspirado em um uniforme militar ou naval: assim se criou o tipo do pequeno marinheiros que persistiu do fim do século XVIII até nossos dias.
 Tela conhecida como
As meninas de Azul e Rosa.
      A adoção das calças compridas para as crianças foi em parte uma consequência desse novo gosto pelo uniforme, que iria conquistar os adultos no século XIX , época em que o uniforme se tornou um traje de gala e de cerimônia , algo que jamais havia sido antes da Revolução. Foi inspirada também, sem duvida, pela necessidade de liberar a criança do incomodo que lhe impunha seu traje tradicional, de lhe dar uma roupa mais  desalinhada. E esse desalinho daí em diante seria exibido pelo povo dos subúrbios com uma espécie de orgulho. Graças às calças compridas do povo e dos marinheiros, os meninos se libertavam tanto do vestido comprido fora de moda e demasiado infantil, como das calças justas até os joelhos demasiado cerimoniosas. Aliás, sempre se havia achado divertido dar às crianças de boa família algumas características do traje popular, como o barrete dos trabalhadores dos camponeses e, mais tarde, dos forçados, que os revolucionários, com seu gosto clássico, batizaram de barrete frígio: uma bravura de Bonnard mostra-nos uma criança com esse barrete. Em nossos dias, assistimos a uma transferência de trajes que apresenta algumas semelhanças com a adoração das calças compridas para os meninos no tempo de Luís XVI: o macacão do trabalhador e as calças de lona azul tornaram-se os blue jeans que os jovens usam com orgulho, como o signo visível de sua adolescência.
      Assim, partindo do século XIV, em que a criança se vestia como adultos, chegamos ao traje especializado da infância, que hoje nos é familiar. Já observamos que essa mudança já afetou sobretudo os meninos. O sentimento da infância beneficiou primeiro meninos, enquanto as meninas persistiram mais tempo no modo de vida tradicional que as confundia com adultos: seremos levados a observar mais de uma vez esse atraso das mulheres em adotar as formas visíveis da civilização moderna, essencialmente masculina.


      Se nos limitarmos ao testemunho fornecido pelo traje, concluiremos para a particularização da infância durante muito tempo se restringiu aos meninos. O que é certo é que isso aconteceu apenas nas famílias burguesas ou nobres. As crianças do povo, os filhos dos camponeses e dos artesãos,  as crianças que brincavam nas praças das aldeias, nas ruas das cidades ou nas cozinhas das casas continuaram a usar o mesmo traje doa adultos: jamais são representadas usando vestido comprido ou mangas falsas. Elas conservaram o antigo modo de  vida que não separava as crianças dos adultos, nem através do traje, nem através do trabalho, nem através dos jogos e brincadeiras.
     Os dias do século XIV.

quinta-feira, 22 de março de 2012


             



Republica no Brasil em 1889    
   A proclamação da República ,no País ocorrida em 1889 , trouxe novas concepções nas questões sociais. Nessa mesma época , foi fundado o instituto de proteção de assistência a infância por particulares ,o que precedeu a criação do Departamento da Criança , em 1919, numa iniciativa do governo frente à preocupação com a saúde publica .Em 1908 , surgiu a primeira escola de Educação Infantil de Belo Horizonte e  , em 1909, o primeiro Jardim de Infância Municipal do Rio de Janeiro.        Começaram a surgir movimentos de proteção à infância , em função do alto número de mortalidade infantil e do aumento do  abandono de crianças , com a intenção e do aumento de dar conta dos filhos de escravos que , após a abolição não precisavam trabalhar.
    No início do século XX  predominou no  meio pedagógico sobre a infância o alvo dos estudos científicos e integrados , a analise das condições da vida da criança. Com a industrialização e a urbanização  nos centros maiores e com a maioria da mão de obra masculina dedicando-se a lavoura, as fábricas tiveram de admitir um grande número de mulheres. As mães operárias tiveram de resolver o problema de forma emergencial , contando , ás vezes, com suas próprias família , e outras vezes  , confiando o cuidado a mulheres que se propunham a cuidar das crianças  em troca de dinheiro . Essas mulheres eram conhecidas como “criadeiras “ ou “fazedoras de anjos” . Essa foi uma época de acentuada mortalidade infantil em função da precariedade da falta de condições de higiene no tratamento das crianças.
   Em 1923 surgiu a primeira regulamentação sobre o trabalho da mulher. Garantia creches e salas de amamentação próximas ao trabalho e os empregadores deveriam facilitar os horários durante o período de amamentação . Nesse mesmo ano surgiu a Fundação de Inspetoria de Higiene Infantil, para dar  conta das constantes epidemias que aconteciam em função da falta de infraestrutura urbana. Em 1924, foi transformada em Diretoria de Proteção à maternidade e à Infância.
    A década de 1940  foi de grande importância pois houve uma crescente iniciativa governamental  nas áreas de saúde , previdência e assistência. O governo de Getúlio Vargas reconheceu alguns direitos dos trabalhadores através de legislações especificas como a consolidação das leis do trabalho (CLT), de 1943, que regulariza o atendimento aos filhos de trabalhadoras, com objetivo de facilitar a amamentação durante a jornada de trabalho. Até a década de 1950 a maioria das creches era de responsabilidade de entidades filantrópicas e , principalmente, religiosas  .
     Em 1953 , o Departamento Nacional da Criança passou a integrar o Ministério da Saúde e em 1970, foi substituído pela Coordenação de Proteção Materno Infantil .Na metade do século XX , a demanda de mão de obra feminina continuava  crescendo e a maioria das famílias trabalhadoras continuava tendo condições insatisfatórias de vida . As creches eram cada vez mais procuradas , não só por operárias e domésticas , mas também por trabalhadores do comércio e funcionários públicos.
   Já em 1961 foi criada a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (Lei n. 4.024/61), que aprofunda a perspectiva apontada  desde a criação dos Jardins de Infância , sua inclusão no sistema de ensino e define:
Art . 23 – a Educação pré-primária destina-se aos menores até 7 anos, será ministrada em escolas maternais ou jardins de infância.
Art 24- As empresas que tenham a seu serviço mães de menores de 7 anos serão estimuladas a organizar e manter, por iniciativa própria ou em coração com os poderes públicos , instituições de educação pré-primárias.

sábado, 25 de fevereiro de 2012

Sala de Aula On Line



A história da educação infantil em nosso país tem de certa forma, acompanhado a história dessa área no mundo, havendo, é claro, características que lhe são próprias. Até meados do século XIX, o atendimento de crianças pequenas longe da mãe em instituições como creches ou parques infantis praticamente não existia no Brasil.

     No meio rural, onde residia à maior parte da população do país na época, famílias de fazendeiros assumiam o cuidado das inúmeras crianças órfãs ou abandonadas, geralmente frutos da exploração sexual da mulher negra e índia pelo senhor branco. Já na zona urbana, bebês abandonados pelas mães, por vezes filhos ilegítimos de moças pertencentes a famílias com prestígios sociais, eram recolhidos nas “rodas de expostos” existentes em algumas cidades desde o início do século XVIII.